sábado, 27 de setembro de 2014

A quem interessa o discurso do "candidato local"

Embora a maioria dos candidatos que disputam cargos eletivos diga que “não mente”, muitos deles o fazem com uma cara tão limpa, que seus eleitores sequer desconfiam. É que eles se utilizam de argumentos que, se não mentirosos, podem, no mínimo, serem chamados falaciosos, já que são argumentos que tem uma cara de verdadeiros, mas que, na realidade, são falsos. Analisemos a ideia do “candidato local” apregoada por candidatos e cabos eleitorais valencianos.
Há alguns anos tornou-se “moda” afirmar que, se votarmos nos candidatos de nossa cidade, mais recursos conseguiremos para o município. Parece verdadeiro o discurso, mas não é. No Rio de Janeiro, por exemplo, elegeremos 46 (quarenta e seis) deputados federais. Esse conjunto se somará a outros mais de quinhentos Deputados eleitos país afora, resultando numa Câmara composta por quinhentos e quarenta e seis deputados. Esses 546 deputados representarão, no Congresso Nacional, o povo dos Estados. Isso significa que, embora o discurso diga que sim, eles representarão a população dos Estados, não a de seus municípios de origem. E, tendo o RJ 92 (noventa e dois) municípios, alguns terão deputados eleitos. Outros não. Sem contar o fato de que municípios maiores, assim como a capital, terão possibilidade de eleger mais deputados. Simples matemática. Mesma matemática que pode ser usada para verificar o percentual de deputados em relação aos municípios brasileiros. O país tem mais de 5500 municípios, mas apenas 546 deputados. Ou seja, menos de 10% (dez por cento) dos nossos municípios elegerão deputados. Os outros aproximadamente 90% não terão deputados eleitos localmente.
Além da matemática podemos analisar a relação entre deputados e municípios de outras formas. Para ser eleito, antes de ter votos, o candidato precisa de um Partido. Isso. Ele precisa, a partir de sua visão de mundo, filiar-se a um Partido político, e disputar, dentro desse Partido, a vaga de candidato. Para tanto, tome negociações e compromissos os mais diversos.



Para entender esses compromissos é preciso perceber que os Partidos representam “partes” da sociedade. E numa sociedade dividida em classes sociais (pobres e ricos, por exemplo), há Partidos que representam os ricos e alguns, que falam pelos pobres. Como os ricos não desejam nunquinha abrir mão de tudo que têm, precisam de quem os defendam nos governos e Câmaras Legislativas. Assim as leis (e a aplicação das mesmas) sempre irão beneficiá-los. A maioria dos nossos Partidos tem compromissos com essa linha de pensamento. Não é a toa que grandes empresas (Friboi, Odebrecht, etc.) investem tanto nas campanhas eleitorais (na internet conseguimos saber quem está botando dinheiro na campanha de quem). São elas que vão determinar como agirão os governantes e a maioria dos legisladores que serão eleitos tanto para a Câmara Federal quanto para as Estaduais ( e as Câmaras de Vereadores não estão isentas não!). Quer dizer o que esse papo todo? Que quem vai decidir o que o Deputado vai fazer durante seu mandato, dependendo do Partido ao qual está filiado, serão aqueles empresários que financiaram suas campanhas e a de seus Partidos. A população dos municípios, quase sempre, só será lembrada de novo na próxima eleição, quando o sujeito, no afã de reeleger-se, virá, com seus ardis e discursos mentirosos, enganar novamente. E para tanto, contará com o apoio daqueles que conseguir, por alguns trocados, arregimentar.
Outra maneira de analisar o discurso do “candidato local” é olhar os municípios que, há tempos, não elegem deputados. Eles deixaram de conseguir recursos para seus projetos? Eles “abrem falência”? Suas escolas e hospitais fecham? Valença, que há tempos tem deputados estaduais e já elegeu federais, já viu fecharem escolas, hospitais, fábricas, comércio, etc. Outros municípios, como Barra do Piraí, há tempos não elegem deputados, nem por isso deixaram de desenvolver-se. Rio das Flores também não elege Deputados, no entanto, abocanha, a sua maneira, os recursos necessários a sua manutenção e ao seu desenvolvimento. Fica claro assim que, sob a ótica do desenvolvimento econômico, mais valor tem a capacidade de articulação política local do que exatamente o Deputado eleito. Este, durante o mandato, é Deputado do Estado todo e precisa corresponder ao que seu Partido exige. O município? Bem, na próxima eleição a gente vê.
Concluindo, precisamos perceber que, embora a maioria dos candidatos represente o interesse dos empresários e patrões, a maior parte da população é formada por Trabalhadores. E são os votos deles que elegerão os deputados, governadores, senadores e presidente. Mas se os Trabalhadores votam em quem fala como a maioria dos candidatos que a imprensa nos empurra ouvido adentro, estarão dando “um tiro no pé”. Ou seja, votarão em candidatos cujas práticas passarão longe daquilo que prometeram, simplesmente porque não terão condições de cumprir. Seus compromissos estarão firmados com aqueles que nos oprimem, não conosco, Trabalhadores.
Em Valença, a opção verdadeira para os Trabalhadores está em CHICO LIMA, 5010, PSOL. Este já comprovou, há tempos, seu compromisso com nossa classe e com nossas lutas. Os outros? Os outros estão do outro lado.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Musametáfora

Sob seus óculos escuros busco
A metáfora para o voo cego,
Para as asas surdas,
Para o limite sólido.

Na bruma que lhe envolve tento ver
Onde foi que a linha torta se partiu
Deixando-a tão antes e depois
Que sob o sol de outono de Paris
Nenhuma luz reflete sua tez.

Nas linhas e entrelinhas tento ler
Os recados cifrados, escondidos,
Que a mim revelem todos os porquês,
Dissipem a neblina de sua alma
E demonstrem qual então o seu querer.

Suas doces lágrimas fazem refletir
Cenas que o Sena hora alguma quer fixar.
Fluem então em mediterrâneo navegar
Sem margem, marina ou porto
Onde possam em seguro atracar.

Olhar perdido em translúcido horizonte
Como aguardando um trem ao incerto destino
Espraia-se, musa, em inundação difusa.
Repete o salto de outros tantos ao infinito,
Fazendo razão do peito em desatino.

Sob seus óculos escuros busco
A metáfora para o voo cego,
Para as asas surdas,
Para o limite sólido.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Salve os 70

E agora, baby?
Nosso Woodstock não rolou!
Trocaram rock and roll por algo morto
Que se toca no rádio não me toca
Produz em mim espécie de aborto
E a sobra é só aquilo que me choca.


E agora, baby?
O nosso carnaval enfumaçou!
As nossas fantasias e avenidas
Rasgadas puseram blocos em disparada.
Ocultar-se virou regra desmedida
Prá quem não quis dar ao algoz a voz calada.


E agora, baby?
O sonho de Arembepe se esvaiu!
Nossa comunidade encolheu
Deixando-nos a sós com nossos eus
Buscando sobrevida em amplo breu
Fingindo a paz como quem se finge deus.

E agora, baby?
Nosso arco-íris se tingiu!
As sete cores numa só se transformaram.
O verde-oliva plúmbeo em cinza fez o céu
E a nossa poesia apagaram
Fazendo-a lápide em estranho mausoléu.


E agora, baby?
Nosso horizonte se turvou!
Disseram ame ou deixe o nosso chão
Não dando chance a outra opção.
Cortando muitas línguas e cabeças
Deixaram como herança um aleijão.


E agora, baby?
Vê de novo algo que alente?
Sente brisa ou chuva que refresque
Novos sonhos e nossa vida alimente?
Já cresce em nós o que nos livre d’outro ataque?
Ou, sozinhos, seguimos a tudo indiferentes?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Pequena canção as sobreviventes

Dada a minha dificuldade em formatar meus textos por aqui, posto o link do Recanto das Letras, onde tenho publicado alguns poemas. http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4083359

domingo, 17 de junho de 2012

L'etat c'est moi!

L'etat c'est moi!
Diria o rei nalgum canto da França.
Aqui alguns, noutras palavras,
repetem a cantilena com inspiração festiva parisiense
Incorporando Luiz enquanto escurecem o mundo a sua volta.

L'etat c'est moi!
Diria o rei nalgum canto da França enquanto
aqui, em France Antarctique, outros dizem:
O Estado é nosso e ninguém tasca...
E os que se opõem que se lasquem!

L'etat c'est moi!
Diz qualquer rei, glutão, bufão, que do poder se adona.
Repete ad infinitum tal jaculatória
Na espera que o simples falar torne a mentira glória.

L'etat c'est moi!
Pensam aqueles que, ao governarem, desgovernam
E se afirmam na pestilência virulenta que corrói
E adoecem aqueles que neles creram e os sustentaram.



L'etat c'est moi!
...
...
Cachoeiras não lavam a alma do corrupto!
Oxum, Iansã e Shiva, molhadas nas lágrimas do povo,
Dançam ainda nas águas frágeis de junho
e apontam que o caos inevitavelmente desembocará em primavera.

L'etat c'est moi!
...
...
Não!
Ninguém pode ser dono do que não é em estado algum
Nem se estar onde se não é a não ser que o façamos!
E não mais queremos alimentar a praga
E não mais queremos engrandecer a peste.
E ainda que não percebamos, a nós cabe a destruição da besta!

(Gilson Gabriel)

domingo, 29 de janeiro de 2012

Crônicas de 88 VII

Invasão aos ônibus das mulheres

Durante os dias em que se desenrolou a greve, tornou-se normal o deslocamento de grupos enormes de trabalhadores pelas ruas do Centro da cidade de Valença. É que as fábricas do Grupo Santa Rosa, embora localizadas em regiões próximas ao Centro, ficavam em bairros diferentes: a Fábrica I no Bairro Benfica, a Fábrica II no início do Bairro Laranjeiras e a Fábrica III numa extremidade do Centro (próxima à Rodoviária). Assim, relativamente próximas umas das outras, era possível manter a concentração de trabalhadores na Fábrica III e um pouco antes dos horários de troca de turno, eles deslocavam-se para as outras unidades fabris a fim de garantirem a continuidade da paralisação com a formação de piquetes. Além disso, o deslocamento de trabalhadores pela cidade servia para a divulgação do que estava ocorrendo. Eram momentos particularmente ricos, pois assim os operários mostravam-se como os verdadeiros donos das fábricas, já que eles determinavam o funcionamento ou não das empresas. E contagiavam quem os assistiam naquele corre-corre tresloucado pelas ruas da cidade.
Mas um destes deslocamentos foi particularmente proveitoso para a Categoria em greve, principalmente para as mulheres: encontramo-nos, na Av Nilo Peçanha, com os ônibus que traziam participantes para o 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, que se realizaria no Hotel dos Engenheiros, nos dias 2, 3 e 4 de dezembro de 1988.


O Encontro, embora tendo como foco questões de caráter feminista e raciais, reunia figuras ilustres do universo político nacional. Várias dirigentes das lutas dos Trabalhadores nas últimas décadas ali estariam presentes (por exemplo, Hildézia Medeiros, Mãe Beata de Iemanjá, Benedita da Silva, Sueli Carneiro, etc) o que, por certo, faria daquele momento um marco. Tendo tudo isto em mente, ao deparar-me com aqueles ônibus diferentes no centro da cidade, não me fiz de rogado: sinalizei para o motorista do primeiro ônibus que, para minha sorte, abriu a porta. Ao entrar, deparei-me com muitas companheiras que identificavam-se com as correntes políticas junto às quais militava na época.
Sentindo-me à vontade dado o ambiente encontrado no interior do ônibus, vendi o nosso peixe. Falei da Greve dos Trabalhadores Têxteis enfatizando a maioria feminina na Categoria. Chamei atenção para fatos já denunciados até então nos nossos atos públicos e reivindiquei o apoio daquele grupo. A resposta não poderia ser melhor: fomos convidados a comparecer, à noite, ao local do Encontro, para uma conversa com Hildézia Medeiros e outras coordenadoras para, lá, alinhavarmos uma ação conjunta. Ao sair dali tinha em mente uma só questão: com quem eu poderia articular a ponte para aquele grupo, já que o Encontro era exclusivamente feminino. Não precisei pensar muito: de volta à Fábrica III para a continuidade das tarefas da Greve veio-me à cabeça o nome salvador: Leiláh Modesto Leal(foto a seguir). A Companheira, apoio de primeira hora daquela Greve, diga-se de passagem, mais uma vez não titubeou. Topou subir comigo ao Hotel dos Engenheiros para conversar com a mulherada.


Nosso encontro foi bastante frutífero. Encontramo-nos, eu e Leiláh, com Hildézia e outras Companheiras coordenadoras do Encontro. E mais uma vez Leiláh se revelava a pessoa certa para estar ali: ela e Hildézia eram velhas conhecidas de muitas lutas anteriores. Expusemos toda a situação e, ao final, garantimos a participação de três Companheiras da Santa Rosa como convidadas em um dia do Encontro. Estendemos o convite à três das principais líderes da Greve: Baiana, Rosária e Ieda. As três, naquele momento, ganhavam mais uma tarefa e tanto: serem as porta-vozes da Categoria em luta, fazendo com que nossas vozes ultrapassassem assim os limites de Valença e ganhassem mundo.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Crônicas de 88 VI

Barraca armada

Dentre os muitos fatos, alguns importantes outros nem tanto, ocorridos durante a greve, um, sem nenhuma intenção de roubar a cena, acabou por ganhar espaço e destaque.
Logo no primeiro dia de paralisação um Companheiro, o Canella, correu em casa e buscou uma barraca de camping, que foi devidamente armada numa das extremidades do Jardim da Estação. Ninguém sabia exatamente o motivo da barraca, mas o decorrer da greve revelou suas várias utilidades. Uma mostrava-se durante os dias: Companheiros cansados da correria de uma fábrica a outra, ou que não tinham condições de ir dormir em casa, ou ainda que, por desenvolverem trabalhos de direção daquela greve, precisavam descansar em poucos espaços de tempo que sobravam. E isso tinha que ser feito em revezamento visto que muitos eram os Companheiros que necessitavam revigorar-se com um rápido descanso. Outra das funções da barraca revelava-se à noite e, pelo movimento de entra e sai, essa função parecia bem mais nobre que a de dar descanso aos guerreiros. Sexo! Sexo! Sexo! Era o que rolava naquela barraca pelas longas horas das noites da greve. Não que isso fosse estranho. Afinal, ali estavam homens e mulheres sadios e maduros o bastante para realizarem suas opções sexuais. O que chamava a atenção era a forma um tanto quanto “liberada” com que a coisa se dava (e como dava!).
A barraca e seu conseqüente uso tornaram-se emblemáticos para aquele movimento. O tal entra-e-sai na barraca à noite (ou mesmo durante os dias) revelava um certo rompimento com padrões anteriormente estabelecidos e que ali não mais importavam. Aquilo que antes era pensado com relação a vergonha, pudor, dificuldade em assumir uma tendência sexual diferente, durante a greve ganhou outra conotação. E a forma como isso se dava deixava claro que aquela greve, em vários sentidos, seria realmente um divisor de águas.
A partir dali muitos Companheiros e Companheiras perceberam que aquilo que entendiam por prazer ou felicidade era ditado pela relação estabelecida com a fábrica. Tinha a ver com a dominação sofrida e sentida a partir de tal relação e que a ruptura com esta forma de dominação era essencial para a construção de uma vida mais feliz.
Não que Companheiros e Companheiras abstraíssem a ponto de construir teorias ou conceitos sobre a greve e suas conseqüências na vida dos trabalhadores, mas isso eles enxergavam. Estar fora dos olhares dos chefes e das obrigações da produção os deixavam mais soltos, livres mesmo, para fazerem coisas que até ali não fariam. E faziam com a naturalidade inerente aos livres, sem a preocupação de estarem transgredindo normas, já que as normas vigentes naqueles dias eram as ditadas por eles, trabalhadores em greve.