quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Crônicas de 88 VI

Barraca armada

Dentre os muitos fatos, alguns importantes outros nem tanto, ocorridos durante a greve, um, sem nenhuma intenção de roubar a cena, acabou por ganhar espaço e destaque.
Logo no primeiro dia de paralisação um Companheiro, o Canella, correu em casa e buscou uma barraca de camping, que foi devidamente armada numa das extremidades do Jardim da Estação. Ninguém sabia exatamente o motivo da barraca, mas o decorrer da greve revelou suas várias utilidades. Uma mostrava-se durante os dias: Companheiros cansados da correria de uma fábrica a outra, ou que não tinham condições de ir dormir em casa, ou ainda que, por desenvolverem trabalhos de direção daquela greve, precisavam descansar em poucos espaços de tempo que sobravam. E isso tinha que ser feito em revezamento visto que muitos eram os Companheiros que necessitavam revigorar-se com um rápido descanso. Outra das funções da barraca revelava-se à noite e, pelo movimento de entra e sai, essa função parecia bem mais nobre que a de dar descanso aos guerreiros. Sexo! Sexo! Sexo! Era o que rolava naquela barraca pelas longas horas das noites da greve. Não que isso fosse estranho. Afinal, ali estavam homens e mulheres sadios e maduros o bastante para realizarem suas opções sexuais. O que chamava a atenção era a forma um tanto quanto “liberada” com que a coisa se dava (e como dava!).
A barraca e seu conseqüente uso tornaram-se emblemáticos para aquele movimento. O tal entra-e-sai na barraca à noite (ou mesmo durante os dias) revelava um certo rompimento com padrões anteriormente estabelecidos e que ali não mais importavam. Aquilo que antes era pensado com relação a vergonha, pudor, dificuldade em assumir uma tendência sexual diferente, durante a greve ganhou outra conotação. E a forma como isso se dava deixava claro que aquela greve, em vários sentidos, seria realmente um divisor de águas.
A partir dali muitos Companheiros e Companheiras perceberam que aquilo que entendiam por prazer ou felicidade era ditado pela relação estabelecida com a fábrica. Tinha a ver com a dominação sofrida e sentida a partir de tal relação e que a ruptura com esta forma de dominação era essencial para a construção de uma vida mais feliz.
Não que Companheiros e Companheiras abstraíssem a ponto de construir teorias ou conceitos sobre a greve e suas conseqüências na vida dos trabalhadores, mas isso eles enxergavam. Estar fora dos olhares dos chefes e das obrigações da produção os deixavam mais soltos, livres mesmo, para fazerem coisas que até ali não fariam. E faziam com a naturalidade inerente aos livres, sem a preocupação de estarem transgredindo normas, já que as normas vigentes naqueles dias eram as ditadas por eles, trabalhadores em greve.

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