domingo, 26 de setembro de 2010

Prá Valença



Há mais de dez anos escrevi alguns textos (poemas, diriam alguns) sobre Valença. Nunca os publiquei. Como, segundo minha visão (e a de alguns que os leram) eles mantém-se atuais, publico-os agora, numa homenagem crítica aos 153 anos da cidade.

Valença

Encravada na serra estás como a fugir do mar.
Em busca dos céus das Minas te escondeste
Entre verdes e azuis paradisíacos.
De teu solo brotaram guerreiros, odores, clamores.
Sobre teu chão derramaram-se suores, amores e dores.
Teu povo, mesclando senhores, escravos e outras raças,
Apesar dos percalços, persiste.
Embora agredido, insiste.

Encravada na serra estás como a fugir do mar.
Como que um destino a buscar.

Valença I (Do chão)

De teus primeiros filhos não sobraram sombras.
Arcabuzes e chibatas, manchando tua fértil superfície
Sangraram e expulsaram teus nativos.
A pele escura vindoura da África,
Sob o peso da mão do senhor
Também foi marcada, fendida, sangrada ao extremo.
De tuas entranhas sugaram quase tudo:
Tua fertilidade, sustentando cafezais e canaviais forasteiros, esvaiu-se.
Sobre teu chão, hoje, pinheiros, eucaliptos e prédios ganham os céus, ansiando nutrientes no ar, já que a terra os nega.
Teus filhos de agora já não sabem o sabor do teu leite
Tampouco sentem o doce do teu mel.
Sugaram-te muito.
Tanto que teu futuro pode não germinar.

Valença II (Do aço)

I

Desbravadas tuas matas
Calados teus Coroados, divididas tuas terras,
Chegaram os trilhos arrastando consigo fumaças
E ruídos até então desconhecidos.
A seguir, outros bichos sem sangue,
Outras plantas, outras línguas, outros braços...
Com a junção de chapas, parafusos, arruelas, braços e pernas
Em teu seio
Brotos artificiais em tramas diversas começaram a nascer.
Vidas em urdume transformaram-se.
Tramas e tramas, urdumes e urdumes, máquinas e máquinas...

II

Foram-se os trilhos.
Ficaram as marcas em teu corpo.
Aos poucos, vão-se também
As outras máquinas.
Urdumes e tramas já não envolvem as vidas dos teus filhos.
Teus brocados, bordados, canutilhos,
Adornam agora outros colos,
Fazem sobreviver outros filhos de outras terras.
Os poucos fios gerados em ti não trazem mais as mesmas cores
Tampouco a resistência de outrora.
Teus fios não mais enredam teus filhos.
Teus netos, bisnetos,... trarão tênues lembranças
Do tempo em que, apesar de tudo,
Eras tudo.


Valença III

Vejo-te assim: perto e ao mesmo tempo longe.
Perto por estar em ti,
Sentindo teus cheiros, tuas cores, teus ruídos,
Tuas formas generosas.
Sinto-me perto de ti estando em meio ao teu povo,
Vibrando com tuas festas,
Entregando-me, às vezes, ao teu misticismo,
Crescendo com tuas crianças e rindo com teus jovens.
Mas não me encontro perto de ti como gostaria.
Por vezes percebo-te distante:
Sem cheiros, sem cores, sem ruídos, sem formas definidas.
Sinto-te sumindo sob meus pés
Como dunas levadas ao vento.
Vejo-te sumir do mapa sem deixar vestígios
E não te sinto voltar.
Vão-se tuas fábricas,
Teus trens,
Teu comércio,
Teu povo.
Parece-me que alguns,
apenas
Quiseram possuir-te como a prostituta
De uma noite qualquer,
Sem vínculos, sem carinho, mera satisfação de função orgânica...
Assim, vejo-te distante.
E cada vez mais longe.
Não regressa.
Me vou?

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