sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Gregório de Matos numa análise fria da política atual

O século dezessete produziu, entre muitas coisas, críticas as mais diversas sobre os mais variados temas. Algumas delas sairam da boca do "Boca do Inferno", Gregório de Matos. E o mais incrível de algumas de suas obras é a similaridade com os dias atuais (Valença inclusive), o que pode ser percebido no poema abaixo.


Por consoantes que me deram forçados



Neste mundo é mais rico o que mais rapa;
quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
com sua língua, ao nobre o vil decepa;
o velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa;
quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
quem menos falar pode, mais increpa;
quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
bengala hoje na mão, ontem garlopa;
mais isento se mostra o que mais chupa;

para a tropa do trapo vão a tripa,
e mais não digo; porque a Musa topa
em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.

Obs.: Este poema era, na verdade, uma resposta de Gregório de Matos a uma conversa travada entre Bernardo Vieira e o Padre Antônio Vieira através de textos poéticos também com teor crítico considerável.

Um comentário:

  1. Companheiro,
    Creio que este epílogo do "Boca do Inferno" também tem muito a nos dizer:

    "Que falta nesta cidade?.........Verdade
    Que mais por sua desonra .......Honnra
    Falta mais que se lhe ponha ... Vergonha.

    O demo a viver se exponha,
    por mais que a fama a exalta,
    numa cidade, onde falta
    Verdade, Honra, Vergonha.

    Quem a pôs neste socrócio?............ Negócio
    Quem causa tal perdição? ..............Ambição
    E o maior desta loucura?.............. Usura.

    Notável desaventura
    de um povo néscio, e sandeu,
    que não sabe, que o perdeu
    Negócio, Ambição, Usura.

    Quais são os seus doces objetos?......... Pretos
    Tem outros bens mais maciços?.......... Mestiços
    Quais destes lhe são mais gratos?...... Mulatos.

    Dou ao demo os insensatos,
    dou ao demo a gente asnal,
    que estima por cabedal
    Pretos, Mestiços, Mulatos.

    Quem faz os círios mesquinhos?....... Meirinhos
    Quem faz as farinhas tardas? .........Guardas
    Quem as tem nos aposentos? .......... Sargentos.

    Os círios lá vêm aos centos,
    e a terra fica esfaimando,
    porque os vão atravessando
    Meirinhos, Guardas, Sargentos.

    E que justiça a resguarda?........... Bastarda
    É grátis distribuída? ............... Vendida
    Que tem, que a todos assusta?........ Injusta.

    Valha-nos Deus, o que custa,
    o que El-Rei nos dá de graça,
    que anda a justiça na praça
    Bastarda, Vendida, Injusta.

    Que vai pela clerezia? ................ Simonia
    E pelos membros da Igreja? ............ Inveja
    Cuidei, que mais se lhe punha?......... Unha.

    Sazonada caramunha!
    enfim que na Santa Sé
    o que se pratica, é
    Simonia, Inveja, Unha.

    E nos Frades há manqueiras?............ Freiras
    Em que ocupam os serões? .............. Sermões
    Não se ocupam em disputas?............. Putas.

    Com palavras dissolutas
    me concluis na verdade,
    que as lidas todas de um Frade
    são Freiras, Sermões, e Putas.

    O açúcar já se acabou?................. Baixou
    E o dinheiro se extinguiu?......... ... Subiu
    Logo já convalesceu? .................. Morreu.

    À Bahia aconteceu
    o que a um doente acontece,
    cai na cama, o mal lhe cresce,
    Baixou, Subiu, e Morreu.

    A Câmara não acode?.................. Não pode
    Pois não tem todo o poder?........... Não quer
    É que o governo a convence? ......... Não vence.

    Quem haverá que tal pense,
    que uma Câmara tão nobre
    por ver-se mísera, e pobre
    Não pode, não quer, não vence."

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