Invasão aos ônibus das mulheres
Durante os dias em que se desenrolou a greve, tornou-se normal o deslocamento de grupos enormes de trabalhadores pelas ruas do Centro da cidade de Valença. É que as fábricas do Grupo Santa Rosa, embora localizadas em regiões próximas ao Centro, ficavam em bairros diferentes: a Fábrica I no Bairro Benfica, a Fábrica II no início do Bairro Laranjeiras e a Fábrica III numa extremidade do Centro (próxima à Rodoviária). Assim, relativamente próximas umas das outras, era possível manter a concentração de trabalhadores na Fábrica III e um pouco antes dos horários de troca de turno, eles deslocavam-se para as outras unidades fabris a fim de garantirem a continuidade da paralisação com a formação de piquetes. Além disso, o deslocamento de trabalhadores pela cidade servia para a divulgação do que estava ocorrendo. Eram momentos particularmente ricos, pois assim os operários mostravam-se como os verdadeiros donos das fábricas, já que eles determinavam o funcionamento ou não das empresas. E contagiavam quem os assistiam naquele corre-corre tresloucado pelas ruas da cidade.
Mas um destes deslocamentos foi particularmente proveitoso para a Categoria em greve, principalmente para as mulheres: encontramo-nos, na Av Nilo Peçanha, com os ônibus que traziam participantes para o 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, que se realizaria no Hotel dos Engenheiros, nos dias 2, 3 e 4 de dezembro de 1988.
O Encontro, embora tendo como foco questões de caráter feminista e raciais, reunia figuras ilustres do universo político nacional. Várias dirigentes das lutas dos Trabalhadores nas últimas décadas ali estariam presentes (por exemplo, Hildézia Medeiros, Mãe Beata de Iemanjá, Benedita da Silva, Sueli Carneiro, etc) o que, por certo, faria daquele momento um marco. Tendo tudo isto em mente, ao deparar-me com aqueles ônibus diferentes no centro da cidade, não me fiz de rogado: sinalizei para o motorista do primeiro ônibus que, para minha sorte, abriu a porta. Ao entrar, deparei-me com muitas companheiras que identificavam-se com as correntes políticas junto às quais militava na época.
Sentindo-me à vontade dado o ambiente encontrado no interior do ônibus, vendi o nosso peixe. Falei da Greve dos Trabalhadores Têxteis enfatizando a maioria feminina na Categoria. Chamei atenção para fatos já denunciados até então nos nossos atos públicos e reivindiquei o apoio daquele grupo. A resposta não poderia ser melhor: fomos convidados a comparecer, à noite, ao local do Encontro, para uma conversa com Hildézia Medeiros e outras coordenadoras para, lá, alinhavarmos uma ação conjunta. Ao sair dali tinha em mente uma só questão: com quem eu poderia articular a ponte para aquele grupo, já que o Encontro era exclusivamente feminino. Não precisei pensar muito: de volta à Fábrica III para a continuidade das tarefas da Greve veio-me à cabeça o nome salvador: Leiláh Modesto Leal(foto a seguir). A Companheira, apoio de primeira hora daquela Greve, diga-se de passagem, mais uma vez não titubeou. Topou subir comigo ao Hotel dos Engenheiros para conversar com a mulherada.
Nosso encontro foi bastante frutífero. Encontramo-nos, eu e Leiláh, com Hildézia e outras Companheiras coordenadoras do Encontro. E mais uma vez Leiláh se revelava a pessoa certa para estar ali: ela e Hildézia eram velhas conhecidas de muitas lutas anteriores. Expusemos toda a situação e, ao final, garantimos a participação de três Companheiras da Santa Rosa como convidadas em um dia do Encontro. Estendemos o convite à três das principais líderes da Greve: Baiana, Rosária e Ieda. As três, naquele momento, ganhavam mais uma tarefa e tanto: serem as porta-vozes da Categoria em luta, fazendo com que nossas vozes ultrapassassem assim os limites de Valença e ganhassem mundo.
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