domingo, 1 de janeiro de 2012

Crônicas de 88 V

Chamado ao "Paixão"

Durante quase toda a greve o Paixão manteve-se à distância dos trabalhadores grevistas. Mais que isso: manteve-se contrário à greve dizendo-a ilegal, ilegítima, etc. Mas a sua decisão pessoal de não aderir àquele movimento não o fez menor. Tampouco tirou da greve seu legítimo caráter de protesto e reivindicação. Ao contrário, colocou para os trabalhadores têxteis de Valença a necessidade imediata de discutir a renovação urgente da Direção do Sindicato. Mais ainda: ficava patente, a partir da comparação entre a atuação do Sindicato dos Metalúrgicos e da inação da Direção dos sindicalistas têxteis, que a prática Cutista deveria ser implantada na cidade.


A clareza quanto à inoperância do Paixão, ou melhor, quanto a sua aversão a movimentos de massa, deu-se numa das passeatas realizadas pelos trabalhadores em greve pelas ruas da cidade, após um ato público realizado no Jardim de Cima. No ato várias lideranças falaram e chamaram atenção para o que estava ocorrendo com os trabalhadores têxteis da cidade. Também falaram, no mesmo ato, líderes de partidos políticos identificados com a classe trabalhadora e ali hipotecavam apoio àquela categoria em greve. No entanto, uma ausência era verificada: onde estava o Sindicato da Categoria? Nenhum representante do citado se fazia presente. O Presidente continuava na sua intransigência e isso municiava a Categoria, que, publicamente, execrava o Paixão. Poucas pessoas foram tão criticadas em público na nossa cidade quanto o Paixão naquele momento. Trabalhadores em greve, apoiadores vários, trabalhadores de outras categorias, figuras de expressão na cidade, todos miraram e acertaram no Paixão. Tanto que, ao passar em frente ao Sindicato, os Trabalhadores se depararam com um espetáculo terrível: a sede do Sindicato estava cercada por policiais, como se os donos daquela casa - os trabalhadores em greve - fossem, na verdade, bandidos que quisessem depredar a sede ou coisa do gênero.
A proposta de a passeata ter como trajeto a Rua do Sindicato não objetivava confronto com o Paixão. Era sim uma forma de mostrar a ele o quanto os trabalhadores estavam unidos naquele movimento e o quanto estavam dispostos a resistir para alcançar o que reivindicavam. Embora a proposta não visasse o confronto, não foi possível impedir a catarse coletiva. Anos e anos de gritos contidos jorraram como uma cachoeira na cara de Paixão e asseclas que, no momento da passeata, colocavam-se como guardas às portas da sede do Sindicato. E olhavam a Categoria em passeata, de onde vinham palavras de ordem quase como gritos de guerra, impassíveis. Como se aquele movimento todo não os fossem atingir. E a ira de Paixão e caterva aumentava na medida em que viam trabalhadores sempre cabisbaixos e solícitos assumirem aquela forma de luta tão estranha a eles. Era o rompimento público e definitivo com aquela forma arcaica e inócua implantada por Paixão e seus antecessores de conduzir os desejos dos trabalhadores que, por mais de uma vez, demonstraram não ser eficaz. E o rompimento era mútuo: a Categoria não mais queria o Paixão a frente do seu Sindicato e ele percebia que não mais teria espaço diante da Categoria. Seu tempo estava terminado e aquela passeata era a prova clara e incontestável de tal fato.



Mas a participação de Paixão e Cia na greve não termina por aí. O desenrolar da greve e a abertura de canais de negociação com a empresa mostraram para os trabalhadores têxteis que, mesmo eles não querendo, por mais algum tempo Paixão manter-se-ia vivo. É que a lei (defendida pelo Subdelegado Regional do Trabalho que acompanhava as negociações) obrigava a presença do representante oficial dos trabalhadores. Também porque o empresário não aceitava a representatividade da Comissão de Negociação formada por trabalhadores têxteis, metalúrgicos, Direção e advogados do Sindicato dos Metalúrgicos assim como não aceitava a presença, nas reuniões de negociação, do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, o Companheiro Batista. Assim, mesmo a contragosto, os têxteis que dias antes detonaram a figura do Paixão, teriam que recolocá-lo em seu lugar de Presidente do Sindicato para que as negociações com o empresário pudessem avançar. E lá foram eles em mais um penoso calvário...
Direção dos Metalúrgicos, advogados e outros dirigentes daquele movimento foram unânimes: era preciso buscar o Paixão para a greve. Mas isto teria que ser obra de um processo, segundo o qual Paixão precisaria ver-se importante naquele momento. Todos tínhamos clareza do quanto ele achava-se ofendido com a Categoria assim como sabíamos da repulsa que os trabalhadores sentiam por ele, mas não tinha jeito. Ou o trazíamos para a greve ou ela estaria fadada ao fracasso completo por uma artimanha legal.



Foi criada uma Comissão para falar com o Paixão e, juntamente com o Subdelegado Regional do Trabalho, ela estabeleceu contatos com o Sindicato dos Têxteis. E enquanto desenrolava-se a reunião entre eles, dezenas de trabalhadores aguardavam na rua em frente ao Sindicato o resultado das conversas. Algum tempo depois, os Companheiros que estavam reunidos apareceram com a resposta: traziam o Paixão (que vinha a contragosto, diga-se de passagem) para uma rápida Assembléia na rua. Na tal Assembléia vários Companheiros falaram da importância da participação do Sindicato dos têxteis no movimento e, de certa forma, faziam um "mea culpa" pelo ocorrido na passeata de dias antes. Paixão, por sua vez, usando a palavra, reclamava a não mais poder da forma como fora tratado pelos trabalhadores e, em seu discurso, entre outras coisas, dizia que... "os trabalhadores e líderes daquele movimento o haviam atirado no mais fundo do poço e agora lhe ofereciam uma corda para que ele fosse resgatado...", “... que pela necessidade de sua participação ele assumiria sua responsabilidade, mas que não deixaria de cobrar, mais tarde, de algumas pessoas presentes à passeata, pelo que fizeram...". E enquanto falava, Paixão era obrigado a ouvir Companheiros gritando, entre outras coisas: “... Fala mal do Júlio Vito agora, seu filho da p...". Os Companheiros entendiam que, falando mal do empresário publicamente, Paixão assumia, definitivamente outra postura, talvez até combativa.
E o Paixão veio. A partir daquele momento ele e o assessor jurídico do Sindicato dos Têxteis passaram a participar das reuniões com a empresa, o que, por certo, não representou nenhum avanço nas negociações. Também a participação das tais figuras nos movimentos de massa não representou peso adicional algum. Pelo contrário, vê-los ali nas passeatas, desestimulava a Categoria, visto que sempre foram contrários aqueles atos e jamais trabalharam no sentido de mobilizar e produzir, juntamente com os trabalhadores, movimentos públicos.

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