segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Crônicas de 88


Ao final do ano de 1988 Valença foi sacudida por duas Categorias profissionais até então adormecidas. Os Trabalhadores Têxteis da Cia Santa Rosa e os Metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas resolveram, após anos de sufocamento, dar um basta às situações vivenciadas no interior das empresas do Grupo SR. A deixa foi dada pela promulgação da Nova Constituição Federal e pelas expectativas geradas por ela. O "basta" ocorreu na forma de uma greve que durou dez dias. Durante esse tempo, denúncias foram feitas, mazelas foram expostas, e boa parte daquilo que era conhecido como "nata" valenciana revelou seus bolores.
A greve, entre outras coisas, provocou mudança radical na Direção do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis, já que, da greve despontaram lideranças capazes de assumir tal Direção.
O presente projeto já existe há algum tempo. Inicialmente concebido como livro de crônicas, hoje ganha as páginas deste Blog. Expor aqui o material já produzido permitirá aos possíveis leitores a possibilidade de opinar ou, até mesmo, colaborar com informações que possam ser agregadas e traduzidas em outras crônicas.
Para começar, publicarei a Introdução e o primeiro capítulo. Semanalmente, se possível, publicarei os demais capítulos. Comentários, críticas e sugestões serão de bom alvitre. Espero que venham!


Crônicas de 88

(Histórias da Greve na SR Máquinas e Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa)




Introdução
(A Constituição cidadã)


Outubro de 1988, Valença, interior do Estado do Rio de Janeiro.
Assim como no resto do país, a população da cidade (principalmente a parcela que trabalhava nas fábricas de tecido) aguardava ansiosa os reflexos da promulgação da Constituição Federal, chamada pelo saudoso Dr. Ulisses Guimarães de “a Constituição cidadã”.
O destaque aos trabalhadores das fábricas de tecido é por conta da relação quase feudal mantida por alguns empresários do setor, o que dava aos tais operários uma qualidade de vida horrível, obrigados que eram a suportar exaustivas jornadas de trabalho, salários de fome, ameaças, altos níveis de insalubridade e, no caso das mulheres, incontáveis casos de assédio sexual advindos, principalmente, de chefes imediatos.
Embora a criação das principais empresas têxteis de Valença date do início do século passado, as relações internas a estas e destas com a cidade mantiveram-se inalteradas por todos esses anos. Os empresários, na ótica de grande parte da população, foram elevados à categoria de “beneméritos” pelo fato de “manterem os empregos dos pobres” e desenvolveram verdadeiras relações de compadrio com os operários, seus familiares e demais protegidos. Desta forma, acabaram os empresários, durante muito tempo, ficando acima do bem e do mal, inquestionáveis assim como suas práticas, deixando o papel de vilão para os encarregados, os chefes, enfim, para seus asseclas que assombravam, noite e dia, operários e operárias.
Embora fossem muitos os problemas vividos por trabalhadores e trabalhadoras das fábricas de tecido de Valença, um serviu de carro-chefe para o movimento paredista que se desenrolou naquele início de dezembro de 1988: a jornada de trabalho! É que, até a promulgação da nova Constituição, a jornada de trabalho legal era de quarenta e oito horas de trabalho semanal, sendo a jornada diária de oito horas. O Congresso Constituinte eleito em 1986, pressionado pela atividade do movimento sindical, reduziu a jornada semanal para quarenta e quatro horas e, a partir daí, instalava-se um questionamento na cabeça dos operários têxteis de Valença, principalmente na dos empregados da Santa Rosa: como seria a nova jornada semanal de trabalho? O questionamento era pertinente, pois, na visão dos operários, a nova Constituição vinha para melhorar a vida de todos. Portanto, nada mais justo que serem ouvidos (pelo menos isto!) e, em conseqüência, terem acatada a proposta corrente: a redução, em quatro horas, da jornada dos sábados, o que resultaria em mais descanso nos finais de semana. Afinal, se a Constituição era “cidadã”, que pecado havia em se exercer a cidadania? Mas não era bem este o entendimento da empresa!
Segundo os administradores da Santa Rosa Máquinas e da Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa, desde que fosse preservada a jornada semanal de quarenta e quatro horas, a redução poderia ser feita de outra forma, não necessariamente nos sábados. E a empresa, sem nenhuma conversa ou mesmo consulta aos seus operários, implantou uma jornada diária de sete horas e vinte minutos, preservando as quarenta e quatro horas semanais constitucionais mas entrando, definitivamente, em conflito com seus empregados. O que se observou na diferença das propostas foi, claramente, um choque entre a letra e o espírito da lei. A Constituição não trouxe, em nenhum artigo, obrigatoriedade para os empresários em ouvir, menos ainda em acatar propostas dos trabalhadores. Também não definiu a Lei Maior de que forma a nova jornada deveria ser implantada. Mas, às vésperas do século XXI, tendo sido a redução da jornada fruto da pressão do movimento sindical e tendo a mesma também o caráter de gerar empregos, a lógica nos permitiria acreditar que o processo de mudanças fosse diferente. Ainda que contasse com um Sindicato “pelego”, a Categoria certamente criaria seus interlocutores e teria condições de entabular negociações. O resultado, fosse outra a forma de instalar a nova jornada, poderia, inclusive, resultar na criação de novos postos de trabalho, melhorando o nível de vida da população valenciana mas, o que se viu foi o oposto. Ali, no momento de decidir de que forma as coisas seriam feitas, o empresário fez a opção de desmascarar-se! O choque que se seguiu e que resultou na GREVE iniciada em 30 de novembro na Santa Rosa Máquinas estendendo-se à Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa, e que durou até 09 de dezembro de 1988, deixou claro para Valença exatamente quem era o “Dr. Júlio Vito”. Deixou claro também que a era de peleguismo vivida pelo Sindicato da Categoria estava prestes a terminar. É esta história que pretendo, através destas crônicas, contar a partir de agora.


Sábados Rebeldes

Há muitos anos a data- base dos trabalhadores têxteis de Valença é 1º de outubro. Em 1988 não foi diferente. Assim como não foi diferente a maneira de conduzir a campanha salarial pelos Diretores do Sindicato da Categoria: Assembléias convocadas, trabalhadores comparecendo ao Sindicato e, no fim das contas, tudo como antes, ou seja, acordo fechado entre patrões e Sindicato sem a real interferência dos trabalhadores. Mas já havia algo de novo no ar.
A expectativa das novidades trazidas pela Constituição a ser promulgada somada à situação vivida pelos operários têxteis de Valença, mobilizou-os ainda mais. Eles compareceram em massa às Assembléias convocadas e até chegaram a pensar que naquele 88 seria diferente. Que nada! O Acordo foi assinado como sempre; nenhum ganho além das obrigações legais. Com relação à nova jornada de trabalho então, nada se falou. A panela ia ferver!
Dentro da Cia Fiação e Tecidos Santa Rosa o caldo engrossava a olhos vistos. Lideranças já despontavam e as defesas por uma nova acomodação da jornada de trabalho já se tornavam públicas. Também na Santa Rosa Máquinas as conversas ganhavam corpo mas, diferentemente da situação dos operários têxteis, os metalúrgicos contavam com a direção do Sindicato. Este, com sede em Barra do Piraí, promovia reuniões com os trabalhadores e tentava negociar a implantação da nova jornada com o empresário, sem, no entanto, obter sucesso. No meio dos metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas a conversa também se avolumava, embora não houvesse um grau de coesão alto. A proposta de GREVE já era tida como certa.
A Direção do Sindicato dos Têxteis, tendo concluído a Campanha Salarial, deu as costas à Categoria no tocante à discussão da jornada de trabalho. Os trabalhadores buscaram, então, por conta própria, seus rumos. Os sábados iriam se tornar infernais para os encarregados e chefetes. Como a proposta defendida pelos operários visava reduzir as horas nos sábados, era chegar o fim de semana e começar a loucura: a “peãozada” pressionava a chefia que, sem ter como evitar, acabava “permitindo” a saída dos trabalhadores, o que, na prática, representava uma redução na jornada, ainda que oficiosamente. Durante alguns sábados o horário passou a ser definido pelos trabalhadores da seguinte forma: os operários do 1º turno (que pegavam às 05:00 da manhã), às 09:00 fechavam o ponto e saiam. Os do 2º turno (entravam às 13:20) faziam a mesma coisa quando batiam as 18:00 horas.
Esta situação desenrolou-se por alguns sábados nos meses de outubro e novembro de 88 e, de certa forma, servia para apontar que algo mais iria acontecer caso nada fosse feito. Os trabalhadores chegaram, inclusive, a pressionar a Direção do Sindicato dos Têxteis para que esta se posicionasse encampando a proposta dos operários. Uma reunião ocorreu, em pleno Jardim de Cima, no dia 15 de novembro (dia das eleições municipais) com a intenção de demover o Presidente do Sindicato dos Têxteis de sua postura omissa. Não adiantou. O sujeito manteve o argumento de que o momento para aquela discussão havia se passado com o término da campanha salarial e nada mais fez.
Com relação aos metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas, as tentativas de negociação continuavam. A Direção do Sindicato solicitava, a empresava aceitava conversar mas, de concreto nada surgia. Após cada conversa com o empresário, nova Assembléia com os trabalhadores. Estes começavam a entender que a intenção do empresário era “ir empurrando a Categoria com a barriga”, até que, vencida pelo cansaço, parasse de perturbar. Por seu lado, a Direção do Sindicato dos Metalúrgicos amadurecia, juntamente com os operários, a idéia de realizar uma GREVE para garantir a instalação das quarenta e quatro horas semanais previstas na Constituição da maneira que os trabalhadores queriam.

Um comentário:

  1. O cotidiano dos trabalhadores de Valença. E tem gente que diz que isto não é história!!!!...

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